Assexualidade sem Estereótipos: A Corajosa Abordagem da Novela Vale Tudo por Dinheiro
Em primeiro lugar, quando uma novela de horário nobre mesmo em condição de remake resolve colocar os holofotes sobre um tema quase invisível na teledramaturgia brasileira, a gente, indubitavelmente, para pra prestar atenção. Foi o que aconteceu com Vale Tudo por Dinheiro nos capítulos de ontem à noite; cenas brilhantes realizadas, vividas, pelo nosso querido autor brasileiro Matheus Nachtergaele em seu personagem “Poliana”. Uma novela que, apesar do título provocativo, surpreendeu a todos com uma abordagem delicada, profunda e ousada sobre a assexualidade. E a pergunta que não quer calar… que paira no ar, entre uma cena e outra, é: afinal, o que é ser assexual?
1.O que é Assexualidade afinal?
Antes de mergulharmos no universo dos personagens, é importante entender o conceito. A assexualidade é uma orientação sexual caracterizada pela ausência de atração sexual por outras pessoas. Isso não significa que a pessoa não tenha sentimentos, que não se apaixone ou que seja incapaz de construir vínculos afetivos profundos. Também não tem relação direta com abstinência ou voto de castidade. Ser assexual é apenas uma forma diferente de experimentar (ou não experimentar) o desejo sexual.
Vale ressaltar que a assexualidade não é uma doença, disfunção ou trauma mal resolvido — embora, infelizmente, muitos ainda tratem como se fosse. Assim como há pessoas heterossexuais, homossexuais e bissexuais, também existem pessoas que simplesmente não sentem atração sexual. E está tudo bem.
2.O personagem que deu o que falar
Mais notável na novela Vale Tudo por Dinheiro, foi o personagem Poliana, interpretado com brilhantismo por nosso querido Matheus Nachtergaele, se tornando o grande responsável por levantar essa bandeira. Poliana é um homem inteligente, sensível, generoso, amoroso, carismático, e, ao contrário dos clichês que costumam pintar os assexuais como “frios” ou “traumatizados”, ele é caloroso, amigo fiel, empático e presente. Desde os primeiros capítulos, sua escolha de não se envolver sexualmente com os parceiros despertou burburinhos entre os personagens, sua irmã, seus vizinhos, e, claro, entre os telespectadores.
Especialmente relevante foi a maneira como a trama desenvolveu o arco do personagem, de forma gradual e, principalmente, respeitosa. Não foi uma “revelação bombástica” ou um “estrondo de um segredo sombrio” — como tantas vezes acontece quando o tema é pouco compreendido. Foi uma construção sutil, num ambiente familiar, baseada em conversas, introspecções e conflitos reais. Poliana não é uma caricatura. É um homem com desejos afetivos, que gosta de companhia, de toques familiares primários, de carinho na forma de cuidados e atenção, mas simplesmente não sente atração sexual — e ponto.
3.Fofoca reflexiva: O que Vale Tudo por Dinheiro nos ensina?
Evidentemente aqui entra a nossa fofoca reflexiva: por que falar de assexualidade ainda choca tanto? Por que ainda existe tanto tabu em torno de pessoas que não encaixam na lógica do “sexo como prioridade”? A novela, ao colocar um personagem como Poliana em destaque, acaba sendo um espelho para as reações sociais que vemos todos os dias.
Outrossim, quantas vezes você já ouviu frases como “isso é só uma fase”, “você não conheceu a pessoa certa”, ou pior: “tem que tratar isso”? A sexualidade humana é diversa. Há quem sinta muito desejo, há quem sinta pouco, e há quem simplesmente não sinta — e nenhuma dessas possibilidades é mais ou menos válida do que a outra.
Portanto, o que Vale Tudo por Dinheiro fez, foi mostrar que a experiência assexual pode — e deve — ter espaço na narrativa contemporânea. Porque sim, pessoas assexuais existem. E elas têm histórias ricas, complexas, emocionantes. Elas amam, se frustram, têm objetivos, famílias, amigos. E, por mais que não seja comum vê-las nas novelas, estão por aí, vivendo fora do script padrão.
4.Por que buscar sobre assexualidade está em alta?
Por outro lado, é mister que nos últimos anos, houve um crescimento exponencial nas buscas por termos como “assexualidade”, “o que é ser assexual”, “assexual sente amor?” e “assexual pode casar?”. Isso reflete um movimento social mais amplo de pessoas que estão questionando normas antigas e buscando compreender melhor as múltiplas expressões da sexualidade humana.
Por conseguinte, quando uma novela popular insere esse tema na pauta, ela colabora com a quebra de preconceitos, fomenta o aumento da representatividade e possibilita o fortalecimento da visibilidade de grupos historicamente silenciados. E isso, por si só, já é revolucionário.
5.Assexualidade não é ausência de afeto
Vale aqui enfatizar também um dos momentos mais marcantes da trama que foi quando Poliana declarou, com todas as letras que sua alma sente:
“Eu amo. Eu cuido. Eu quero estar junto. Só não sinto vontade de transar. Isso me faz menos homem?”
Contudo o que me chamou mais atenção foi o seu grito de liberdade, a hora exta de quebra de suas amarras e cadeados internos – quando enfrentou seu medo, abrindo o notbook da sua irmã deixado em cima da mesa, e confuso, acessou o grupo organizado que representa sua dor… e fez o seu depoimento, se esvaziando de si próprio, e se aliviando à proporção que se ouvia enquanto esperançoso, e, feito um renascimento, acolhendo a si mesmo como de fato ele sempre foi e é. Foi um ato gigantesco vez que a maior angústia dele era justamente pensar que era uma pessoa doente, diferente de todos ao seu derredor, e, o pior, sem sequer imaginar que existiam outras pessoas com o mesmo sofrimento dele.
Consequentemente, essa cena viralizou nas redes sociais e gerou debates acalorados. Muitos elogiaram a coragem do personagem. Outros, infelizmente, insistem na velha visão “patologizante” da sexualidade. Mas, ao colocar o tema na boca de um protagonista tão bem construído, Vale Tudo por Dinheiro abriu espaço para que milhares de pessoas, que talvez nunca tivessem se sentido representadas, pudessem se ver — e se sentir vistas.
6.Para concluir: Por que essa pauta importa?
Porque falar sobre assexualidade é falar sobre diversidade, empatia e liberdade de ser quem se é. É abrir portas para um mundo mais plural, menos normativo e mais humano. A televisão, como formadora de opinião, tem um papel crucial nesse processo. E novelas como Vale Tudo por Dinheiro mostram que é possível entreter, emocionar e, ao mesmo tempo, educar.
Afinal, como bem disse por entre linhas o personagem Poliana em seu depoimento ao Grupo organizado:
“Amar não é sobre cumprir um roteiro. É sobre se permitir ser inteiro, mesmo que fora do padrão.”
Por fim, se tem uma fofoca que vale a pena espalhar, é essa: ninguém deve ser obrigado a sentir o que não sente — e isso não te faz menos digno de amor, respeito ou representatividade.